"Cansados da eterna luta por abrir um caminho pela matéria bruta, escolhemos outro caminho e nos lançamos, apressados, aos braços do infinito. Mergulhamos em nós mesmos e criamos um novo mundo."- Henrik Steffens

Deleite-vos

AMAVISSE


Carrega-me contigo, Pássaro- Poesia
Quando cruzares o amanhã, a luz, o impossível
porque de barro e palha tem sido esta viagem
Que faço a sós comigo. Isenta de traçado
Ou de complicada geografia, sem nenhuma bagagem
Hei de levar apenas a vertigem e a fé
Para teu corpo de luz, dois fardos breves.
                                                                       Deixarei palavras e cantigas.
                                                                        E movediças embaçadas vias de Ilusão..
 Não cantei cotidianos. Só te cantei a ti
Pássaro-Poesia
E a paisagem-limite fosso, o extremo
A convulsão do Homem.

Carrega-me contigo.
No amanhã.

Hilda Hilst.


Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Florbela Espanca


Não, não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, meu Deus, das ciências!) -

Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na! (... )
Ó céu azul - o mesmo da minha infância -,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Álvaro de Campos ( Fernando Pessoa) 

ABRO AS VEIAS   
Abro as veias: irreprimível,
Irrecuperável, a vida vaza,
Ponham embaixo vasos e vasilhas!
Todas as vasilhas serão rasas,
Parcos os vasos.

Pelas bordas -à margem-
Para os veios negros da terra vazia,
Nutriz da vida, irrecuperável,
Irreprimível, vaza a poesia.
Marina Tsvetáieva


Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...

Carlos Drummond de Andrade


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